Disse Ulisses:
«E a augusta Circe dirigiu-me então estas palavras: ‘Eis portanto esta prova cumprida até ao fim. Tu, escuta tudo o que te vou dizer; aliás, um deus em pessoa te fará recordá-lo. Chegarás primeiro à terra das sereias (…), cuja voz seduz qualquer homem que caminhe para elas. Se algum se aproxima sem estar prevenido e as ouve, jamais a sua mulher e os seus filhos pequerruchos se reúnem em torno dele e festejam o seu regresso; o canto harmonioso das sereias cativa-o. Elas habitam num prado, e a toda a margem está cheia das ossadas de corpos que se decompõem; sobre os ossos desseca-se a pele. Passa sem te deteres; amassa cera doce com mel e tapa as orelhas dos teus companheiros, para que nenhum deles as possa escutar. Quanto a ti, ouve se quiseres; mas que sobre a tua rápida nau te atem as mãos e os pés, erguido junto ao mastro, e a eles te prendam por reias. E, se tu suplicares e instares a tua gente para que te soltem, que eles dêem nós ainda mais numerosos (…)»
(Odisseia, Canto XII, pp. 133, 134)
A Odisseia é uma obra clássica atribuída a Homero, considerado um dos maiores poetas de todos os tempos. À falta de informação fidedigna relativa à vida do autor, persiste a dúvida em relação à veracidade do facto de ter sido Homero quem a escreveu. Tal dúvida partiu do Pe. Aulignac (1664), que atribuiu a sua autoria a uma colectânea de pequenos poemas oriundos de autores anónimos que os cantavam na Grécia.
(Homero, Odisseia, 2.ª edição datada de 1988, Edição Anotada, Publicações Europa-América, Mem Martins.)
Nesta obra são relatadas as aventuras de Ulisses e das provações por que passou.
Optei por deixar aqui uma delas, a que eu faço frequentemente uma analogia face ao que nos rodeia. Muitas vezes há que nos amarrarmos ao mastro para não deixarmos que vozes encantadas, ou o silêncio do nosso próprio ego, nos seduzam para uma falsa ventura, como tão bem aconselha Circe.